Arielly Barth e Leila Sayuri

Mariana da Silva 

Cada vez mais recorrente entre a juventude, a compulsão alimentar se enquadra em um dos vários transtornos alimentares (TA). A condição ficou conhecida nacionalmente e gerou debates nas redes sociais após a modelo Yasmin Brunet revelar em um reality show que lida com o problema, e também a infleunciadora digital Carol Celico, que relatou ter desenvolvido transtorno alimentar após se divorciar do ex-jogador Kaká.

Dados de um estudo global feito em 16 países incluindo o Brasil, publicado em 2023 pela revista científica Jama Pediatrics, revelaram que um em cada 5 jovens de 6 a 18 anos apresenta desordem alimentar. O mesmo estudo avaliou que 3 milhões de crianças podem ter desordem alimentar em todo o mundo.

Devido aos estigmas sociais e a vergonha de falar sobre o tema, boa parte dos jovens com TA podem esconder os sintomas, o que faz com que os casos acabem sendo subdiagnosticados e não recebam tratamento adequado.

“Quando me sinto muito ansiosa eu como muito. Não só café da manhã, almoço, lanche e janta, eu como muito a ponto de abrir a geladeira de madrugada. Mesmo quando acabei de comer, passo por ela e pego alguma coisa para comer, geralmente quando estou sozinha”, desabafa Júlia*, 24.

O comportamento narrado pela jovem pode parecer normal ou até mesmo comum para quem se depara com o relato à primeira vista, mas na verdade, Júlia descreve que identificou em si a compulsão alimentar, algo que a acompanha boa parte da vida, mas que só se deu conta há cerca de 3 anos.

“Eu vou comendo, comendo, comendo, até perceber que estou me sentindo muito gorda e aí começa a fase de parar de comer”, narra. O que Júlia descreve é basicamente um ciclo, que se repete há muito tempo: “Eu uso a comida como uma válvula de escape pra minha ansiedade e me sinto muito culpada por estar comendo demais até ficar muito triste por isso ao ponto de não querer comer mais nada”, explica.

Nem família e namorado sabem da condição e quando questionada se tem comido, diz que sim, apesar de não. Devido ao seu tipo físico, ela relata que a questão passa despercebida pelos que a cercam.

“As pessoas pensam que quem tem compulsão alimentar são pessoas obesas mórbidas. Quando veem alguém com meu tipo de corpo comendo muito, não veem como doença. Quando eu paro de comer de uma vez, acham que estou triste só. Então é esse o nível do problema”, aponta.

Quem também passa por situação semelhante é Kelly*, 25. Para ela, tudo começou na infância com a seletividade alimentar: “Eu não aceitava comidas moles, com texturas diferentes. Sempre tive dificuldade com feijão. Minha mãe achava muito importante eu comer feijão, então apanhava todos os dias durante as refeições para comer. Eu associei a comida com esse trauma, somado aos inúmeros vômitos que o ato de comer forçado me causava”, desabafa.

Até os 11 anos, a jovem tinha aversão a comida. Sobrevivia dias com apenas uma maçã, com 1,65m de altura, pesava 42 kg. Foi então que começou a anorexia e a bulimia.

“Eu tinha costume de empurrar a comida e vomitar depois. Na época, passava por problemas familiares, então meus pais e parentes não conseguiam prestar atenção em mim o suficiente pra ver que eu estava doente. Até que aos 16 anos parei de menstruar por falta de alimentação”, revela.

Kelly diz que não teve ajuda psicológica e médica na época, mas contou com apoio de amigas. Desde então, apesar de não ter mais um quadro ativo de anorexia e bulimia, descreve que continua sem comer e por vezes comendo desesperadamente, até que resolveu que era hora de pedir ajuda.

“Fui diagnosticada com transtorno misto - depressivo e ansioso, comecei a fazer terapia e entender melhor meu problema com alimentação e comida. Passei por diversos profissionais, nutricionistas, nutrólogos, psiquiatras", afirma.

Com medicação e acompanhamento, o quadro da jovem evoluiu aos poucos. Porém, com 23 anos, ao fazer o desmame medicamentoso acabou engordando e pela primeira vez esteve com um peso maior.

“As críticas e comentários foram constantes, principalmente da minha família que em tempos passados, quando eu realmente estive doente, não se importou com minha questão de saúde”, lamenta.

Hoje, diagnosticada com autismo nível de suporte I, ela entende seu histórico de transtorno que vem de uma seletividade alimentar e de traumas vividos na infância.

“Tento ser o mais saudável possível, embora eu falhe a maior parte das vezes, mas agora já me respeito mais, sei meus gatilhos emocionais e tento evitá-los. É um processo constante e devagar, não dá pra apressar as coisas porque acaba piorando, vivi isso na prática depois de muito tomar remédios pra engordar e falhar na adolescência”, explica.

Atualmente a jovem possui rede de apoio, profissionais de qualidade, e se sente mais segura para ter um relacionamento saudável com a comida, embora o transtorno alimentar ainda esteja presente, mesmo não tão forte como antes.

Como identificar ou ajudar alguém com TA?

Em entrevista para o , a psicóloga Larissa Slhessarenko Ribeiro, que trabalha no Hospital Metropolitano na equipe de bariátrica, explica que uma das dificuldades relacionadas aos transtornos alimentares, é a negação da doença por parte do paciente ou da família.

“É preciso estar atento diante de padrões alimentares restritivos, compulsões alimentares ou práticas excessivas de exercícios. Entender que sinais de um transtorno alimentar incluem mudanças drásticas no peso, comportamentos alimentares extremos, isolamento social, obsessão por contagens de calorias e descontentamento com a imagem corporal. A auto avaliação ou a observação das pessoas com quem convive, mudanças no humor, ansiedade ou depressão, pode ser indicativo”, esclarece.

A especialista destaca que transtornos alimentares impactam negativamente a saúde física, podendo levar complicações como: desnutrição, problemas cardíacos, fraqueza, atrofia muscular, tonturas, irregularidades hormonais e impactam diretamente na saúde emocional.

A autoestima é profundamente afetada devido à insatisfação com a imagem corporal, o que contribui para um ciclo prejudicial de autocrítica e ansiedade.

Além disso, as manifestações do TA ocorrem de diversas formas e cada uma delas possui características específicas que exigem abordagens distintas.

Alguns tipos de transtornos alimentares mais comuns:

Anorexia Nervosa (AN): Causa preocupação excessiva com o peso, percepção distorcida da imagem corporal, levando a restrições alimentares severas pelo medo intenso de ganhar peso. Imagem do corpo alterada, causando perda de peso significativa. A percepção pode persistir, mesmo quando o peso atinge níveis perigosamente baixos.

Bulimia Nervosa (BN): Envolve episódios de ingestão excessiva de alimentos seguidos por comportamentos compensatórios, como vômito (auto induzido) e/ou uso de laxantes e/ou uso excessivo de exercícios e/ou jejuns. Ao contrário da anorexia nervosa, as pessoas com bulimia nervosa geralmente mantêm um peso corporal dentro da faixa normal.

Transtorno da Compulsão Alimentar (TCAP): Caracterizado por episódios regulares de ingestão excessiva de alimentos, sem comportamentos compensatórios, o que o difere da bulimia nervosa. Pode levar ao ganho de peso significativo ao longo do tempo. É quando a pessoa consome quantidades significativamente maiores do que o habitual, acompanhados por uma sensação de falta de controle.

Algumas características principais do TCAP:

Ingestão Excessiva de Alimentos: Consumo de quantidade bem maior de alimentos do que comeria em um período semelhante e sob circunstâncias semelhantes. As pessoas com TCAP frequentemente comem rápido, mesmo quando não estão com fome, e podem comer sozinhas devido à vergonha associada ao comportamento.

Sensação de Falta de Controle: A pessoa sente uma falta de controle sobre o que está comendo e a quantidade que está consumindo.

Frequência dos Episódios: Pelo menos uma vez por semana durante três meses ou mais. A frequência dos episódios é um critério importante para distinguir o TCAP de comportamentos alimentares esporádicos.

Ausência de Comportamentos Compensatórios: Ao contrário da bulimia nervosa, as pessoas com TCAP não se envolvem em comportamentos compensatórios inadequados, como vômito, uso excessivo de exercícios ou uso indevido de laxantes.

Angústia Emocional: Muitas vezes há sentimentos intensos de culpa, vergonha e desconforto emocional.

Como buscar ajuda?

Conforme a médica, a busca por um padrão irrealista de beleza acaba contribuindo para o desenvolvimento desses distúrbios.

“Muitas vezes a forma como a mídia e redes sociais tratam as questões relacionadas ao corpo, apresentando padrões difíceis de serem atingidos, podem levar a uma busca obsessiva pelo corpo 'ideal' desde cedo, onde adolescentes travam verdadeiras batalhas na busca do corpo belo, perfeito, criado e reforçado pela sociedade”, aponta.

A médica ressalta que a identificação de transtornos alimentares requer atenção a uma variedade de manifestações comportamentais, mudanças de peso e alterações emocionais e para buscar ajuda, é fundamental falar abertamente com a pessoa afetada e com familiares, amigos e profissionais de saúde.

O tratamento envolve uma equipe multidisciplinar, incluindo médicos, psicólogos, nutricionistas e educadores para tratar aspectos físicos, psicológicos e educacionais.

Nesse processo ela reitera que a família, amigos ou até religião, chamados de “rede de apoio”, são fundamentais, para ajudar a pessoa a fazer o tratamento, auxiliando no suporte e desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis.

“A conscientização sobre a diversidade de corpos e a promoção de uma imagem corporal individual/única e positiva são cruciais para combater a pressão estética e prevenir transtornos alimentares. A compreensão dessas influências é essencial para promover uma cultura que valorize a aceitação e o respeito à diversidade corporal e a saúde mental”, reforça.

Fonte: Gazeta Digital